Cena de O Prado de Bejin (1937) |
Um
Art Movie, literalmente ‘Filme de
Arte’, é uma produção cinematográfica independente que “tem como objetivo ser
um trabalho artístico sério, normalmente experimental e não é elaborado com
apelo de massas”, eles são “feitos por razões estéticas, ao invés de comerciais
(...) e contém conteúdo altamente simbólico ou incomum” (Art film definition –
Dictionary – MSN Encarta). Logo, o objetivo de um Art Movie nem sempre é contar uma boa história, ou ao menos não
contá-la de uma forma convencional. Assim sendo, é comum que os produtores
desse tipo de Arte tenham bem mais trabalho para conseguir arrecadar capital para
seus filmes; há atores desse tipo de Cinema não são conhecidos
mundialmente, pois não há orçamento para contratar uma estrela de Hollywood,
por exemplo, fato que, de certa forma contribui mais ainda para a construção da
identidade desses filmes.
Maribel Verdú no papel da Madrasta Má no filme espanhol Branca de Neve (2012) |
O
contato com Art Movies, aos poucos,
abre nossa mente para experiências que extrapolam os padrões que construímos a
medida que vivemos e ajudam-nos a entender as inúmeras possibilidades da sétima
arte. Para usufruir de um trabalho como este, precisamos nos despir de
preconceitos e expectativas infundadas, filmes de arte não precisam seguir os
modelos de Cinema que a gente conhece apenas para tornar nossa experiência de
vê-los mais fácil. Eles podem ser das mais variadas formas, simples ou extremamente
herméticos e complexos, isso depende das habilidades técnicas e/ou intenções do
diretor, visto que esses filmes tem uma carga significativa da visão artística
de seu criador.
Você
pode gostar de filmes de arte, mas isso não quer dizer que você gostará de
todos os filmes de arte que assistir (o mesmo que se aplica a qualquer outro
tipo de filme), é a subjetividade do gosto de cada um. Como já mencionei em
listas anteriores, busco fazer uma seleção de coisas que gosto e recomendo, mas
que também são variadas para que os contrastes sejam mais evidentes. Essa seleção
busca indicar alguns Art
Movies a todos que curtem Cinema, mas ainda não estão familiarizados com esse tipo específico de Cinema ou apenas de lembrete pra quem já curte Art Movies e ainda não viu alguns desses títulos; sem maiores pretensões.
5. Branca de Neve
(2011)
Título
original: Blancanieves
Produção
espanhola e francesa dirigida por Pablo Berger; sim, trata-se de uma versão do
célebre conto dos irmãos Grimm, a base da trama é a que todos nós conhecemos,
logo, não há um grande roteiro. Porém, temos uma releitura muito divertida e
gostosa de ver; das que conheço, essa é sem dúvida a mais legal... Trata-se de
um filme mudo com estética do Cinema Alemão dos anos 20, além disso, a história
é ambientada nas touradas da Espanha e a protagonista de Branca de Neve é uma brava toureira (!). O filme em si, por conta
de sua estética, já é fora do convencional, pois todos sabemos como o cinema
falado é hegemônico hoje em dia e a ideia de um filme mudo no século XXI é
simplesmente deliciosa. Destaque para a Madrasta Má, interpretada pela Maribel
Verdú, e para o desfecho da história que recebeu um toque especial. Basicamente,
com esse trabalho, Pablo Berger faz uma homenagem aos contos de fada e ao
Cinema Mudo.
4. Cães Errantes (2013)
Título
original: Jiaoyou
Um
dos títulos mais curiosos que conheci ano passado, é uma produção de Taiwan
dirigida por Tsai Ming Liang. Dos filmes selecionados nessa lista, este é sem
dúvida o mais difícil e é provável que muita gente o tenha abandonado nos
primeiros 30 minutos, isso devido a um simples motivo: ele foi feito para
causar incômodo. A situação exaustiva das personagens é mostrada por meio de
planos longos igualmente exaustivos. Personagens em situações de desamparo e,
de certa forma, humilhação. A montagem de Cães
Errantes causa, em quem o assiste, o mesmo incômodo que suas personagens
estão sentindo em relação a própria vida. Por isso, é um trabalho que tem de ser
apreciado de uma perspectiva diversa, tudo trata-se de forma e conteúdo e não
de um roteiro bem elaborado ou, como dizem, uma história bem contada. Vale
ressaltar que Tsai Ming Liang usa o mesmo recurso dos planos longos em outros
trabalhos, o curta metragem Walker
(2012) por exemplo; o mesmo recurso é usado, mas com desenvolvimentos
diferentes.
3. Valerie e Sua Semana
de Deslumbramentos (1970)
Título
original: Valerie A Týden Divu
Filme
surrealista da Tchecoslováquia dirigido por Jaromil Jires. Após ter sua
primeira menstruação, Valerie passa a ver o mundo de uma forma diferente. Em
sua nova percepção das coisas, um universo onírico surge, cheio de desafios
curiosos e personagens interessantes. A trama é repleta de elementos de magia e
terror, algumas referências são bem explícitas, como por exemplo, o padre, que
possui aparência semelhante ao alemão Nosferatu
de 1922. É um daqueles filmes que devem ser vistos mais de uma vez por conta de
sua natureza altamente simbólica. Falei um pouquinho mais sobre ele aqui.
2. Sudoeste (2012)
Título
original: Sudoeste
Brasileiríssimo,
com Léa Garcia, Dira Paes e Simone Spoladori no elenco, Sudoeste é dirigido por Eduardo Nunes e apresenta-nos a vida da
personagem Clarice de uma forma diferente. Não temos uma história linear, o que
é um choque para quem está acostumado apenas com a forma simples de começo,
meio e fim. Além de desconstruir a noção básica de narrativa, o filme aplica
essa mesma desconstrução a sua personagem principal que vive entre os habitantes
de uma pequena vila na Costa. Enquanto todas as outras personagens seguem o
curso natural da vida, Clarice começa morta, nasce, cresce, envelhece, volta a
ser criança... No entanto, tudo é uma questão de entrar na proposta do filme. A
primeira impressão forte de Sudoeste
é referente a fotografia, impossível de ignorar; com enquadramentos belos e
incomuns, o visual do filme é magnífico, uma experiência incrível para quem gosta
de fotografia. Observando a vida de Clarice, percebemos que o filme possui um
roteiro simples do ponto de vista prático, porém complexo do ponto de vista
emocional.
1. Aquiles e a Tartaruga
(2008)
Título
original: Akiresu to Kame
Como
estamos falando de Art Movies, ou
seja Arte, sinto que o filme japonês Aquiles
e a Tartaruga precisa estar em primeiro lugar nessa seleção, pois ele traz
uma discussão muito relevante acerca do assunto. Dirigido por Takeshi Kitano, o
que, a primeira vista, parece-nos um filme épico sobre a decadência de uma
família, na verdade torna-se uma grande sátira levando-nos a reflexão acerca do
que realmente é Arte. Até que ponto a Arte é Arte, e quando é que ela passa a
ser apenas fruto do desespero de alguém que luta para ser relevante nesse
mercado? O protagonista desenvolve uma obsessão por ser “um artista de
verdade”, no entanto, para ele, esse conceito é definido pela crítica de Arte,
esta, sempre encontra algum defeito em seus trabalhos. O resultado disso são
intentos absurdos na produção de seus trabalhos. O filme tenta abrir nossos
olhos para as muitas ilusões do Mundo das Artes lembrando-nos de nunca perder o
bom senso. Aquiles e a Tartaruga é a
parte final de uma Trilogia autobiográfica de Takeshi Kitano, então, se você
gostar desse título, pode conhecer os outros.
MENCÃO HONROSA
Teórico
e Cineasta soviético, é o precursor da técnica de montagem no Cinema. Quando
falamos de montagem, estamos falando da edição, onde as cenas que foram
gravadas serão recortadas, alteradas, encaixadas para que a narrativa ocorra, é
um momento em que técnicas podem ser usadas para que se consiga um determinado
resultado, enfim, é a hora de construção do filme. Seu filme mais aclamado é O Encouraçado Potemkin de 1925. No
entanto, meu primeiro contato com o diretor foi em A Greve, de 1925, que me deixou pasmado. Conta a história da luta,
ainda na União Soviética, entre a burguesia e a classe operária. O curioso é
que não há personagens. Como seu Cinema é altamente ideológico (o mais
explícito que conheço nesse sentido), as ideias comunistas são muito evidentes;
em A Greve ninguém é tratado de forma
individual, ninguém é tratado pelo nome, o que há são grupos de personagens que
representam a ideologia e seu lugar na luta de classes. Assim, há cenas cheias
de ricaços conspirando e cenas de operários preparando o motim. O jogo de
câmeras extremamente dinâmico usado por ele na edição não deixa nenhuma dúvida:
antes do videoclipe ser inventado, ele já estava usando a técnica. Tive mais
certeza disso quando conheci seus outros trabalhos; Romance Sentimentale de 1930, por exemplo, se tivesse sido lançado
hoje, seria um videoclipe. Em A Greve,
Eisenstein usa um dos recursos cinematográficos mais impressionantes que já vi
na vida (provavelmente o mais). Um jogo de câmeras que desloca a emoção do
telespectador: durante uma batalha, antes de vermos pessoas morrendo, imagens
de animais sendo brutalmente assassinados são mostradas na tela, dessa forma,
quando um ser humano é mostrado na mesma situação, já estamos sentindo asco e
aversão por aquilo. Nesse sentido, seu cinema continua sendo muito atual,
precisamos que a brutalidade esteja diante de nossos olhos na sua pior maneira
para que tenhamos piedade das pessoas? Para que tenhamos empatia?. Sem falar
que ainda me pergunto como diabos esse cara conseguiu dirigir, na Rússia
soviética dos anos 20, aquela galera toda pra fazer esse filme; mistério que me
deixou mais intrigado ainda quando vi as multidões do filme Outubro de 1927 (Nunca desejei tanto um Making Of na minha vida!).
Particularmente, o que mais me fascina em Serguei Eisenstein é a transformação
ideológica de seu trabalho, as ideias de bem e mal, exageradamente estabelecidas,
vão se transformando, notamos isso ao ver seus primeiros trabalhos em contraste
ao último. A ideologia comunista é explícita nas produções do cineasta, ele
deseja muito a Revolução Russa, porém, com o passar do tempo, e após a chegada
do Comunismo, o cineasta passa a questionar os caminhos que a liderança
Comunista começa a tomar e faz isso com a crítica à Stalin em seu último filme Ivan, O Terrível Parte II de 1945, que
por sinal é o primeiro registro de Cinema em cores da Rússia. Gosto e recomendo
sua filmografia (sua carreira é marcada por altos e baixos); a melhor parte é que
TODOS os seus filmes estão no Youtube.
Cena de Ivan, O Terrível Parte I (1944) |
O Prado de Bejin
(1937) foi destruído antes de ser completado. Conta a história de um garoto que
denuncia seu pai por ter traído o governo e sabotar a colheita do ano. A
criança luta para proteger o Estado Soviético, o caso acaba com seu assassinato.
O filme é baseado na história real de um garoto russo que se tornou um mártir
por denunciar o pai para o governo e acabar sendo morto por sua família. Sua
restauração trata-se de um curta-metragem de pouco mais de 20 minutos onde a
trama é contada por meio de fotografias antigas das gravações reais. Logo abaixo, o curta-metragem completo.
P.S. Baixe o torrent desses filmes aqui.