Decidi fazer a série Mulheres que fazem Cinema depois de
notar que, embora elas façam um trabalho incrível, pouco se fala delas. Fiquei
tentando lembrar quem já vi sendo mencionado no feed do meu Facebook... Polasky, Steven McQueen, Tim Burton, Lars von Trier, Tarantino,
Woody Allen, Clint Eastwood... ok, homens. Então tentei lembrar da
TL do Twitter... Bergman, Fellini,
Darren Aronofsky... só homens também...pera aí......CADÊ AS MULHERES???? a
última verificação foi no HD do PC. Ok, somente alguns filmes soltos dirigidos
por mulheres, mas havia pastas separadas para o Sternberg, uma pro Kurosawa,
outra pro Glauber Rocha e por aí vai... Einsenstein, Xavier Dolan.... e somente
UMA pasta dedicada a uma mulher cineasta (que vergonha, meu Deus... que
vergonha). Sendo assim, aqui no Expresso Lunático, passarei a dedicar alguns
dos meus textos a filmes dirigidos por mulheres, pois sei que não sou o único
que vem negligenciando seus trabalhos e é muito triste ver produções tão ricas serem
ofuscadas.
Bem, a bendita pasta a qual me referia
tinha o nome de Naomi Kawase, diretora japonesa que conheci ano passado e por
quem desenvolvi um carinho especial. Seu Cinema é composto por documentários e
ficção, assim como a linha tênue que pode existir entre eles, e possui natureza
autobiográfica em alguns momentos; Kawase é uma das poucas representantes
femininas na indústria predominantemente masculina do Cinema Japonês, e a mais
famosa e reconhecida, é vencedora de dois prêmios em Cannes e fez parte do júri
do festival no ano de 2013.
Breves considerações sobre o Cinema
Asiático
Gosto
do Cinema Asiático e baseando-se no que conheço dele posso dizer que é um
Cinema muito sutil. Minha experiência com esses trabalhos foi como um novo
letramento, precisei aprender a assistir com atenção redobrada. É uma cultura
de Cinema diferente da que eu conhecia, precisei ficar atento, do contrário,
cairia no senso comum de pensar “Nossa, esse filme não fala sobre nada, é um
monte de coisa vaga.” Em muitos países há certa censura o que obriga alguns
diretores a serem mais cautelosos, um exemplo contemporâneo disso é Tsai Ming
Liang, de Taiwan, que teve de editar alguns de seus trabalhos por conta da
censura. O mesmo ocorreu com Kurosawa no Japão da Segunda Guerra que costumava
mutilar seus roteiros. Quando se trata de um cinema de arte, no mercado japonês
não há tanta necessidade de exageros, sangue, violência, cenas muito fortes
para chocar (para nós, esses são recursos bem úteis). Ou seja, a sensibilidade
é bem maior se compararmos com o Ocidente. Os temas são desenvolvidos
naturalmente acreditando que a problemática em si basta, não há motivos para pincelar
e ressaltar algo se determinado tópico está presente no cotidiano das pessoas.
Ao menos é isso que já observei nos trabalhos de Tsai Ming Liang, Naomi Kawase,
Kurosawa, Takeshi Kitano e alguns outros.
...Voltando
a Naomi Kawase...
Para esse texto, selecionei três dos
filmes da diretora japonesa. Contra a sociedade capitalista industrial e suas
selvas de pedra, os títulos selecionados tem ambientações distantes da
urbanização e/ou trabalham com valores que refletem esse distanciamento;
espiritualidade, compreensão, intimismo e o contato com a natureza como forma
de evadir o desumano.
O
Segredo das Águas (2014)
Título original: Futatsume no Mado
Primeiro filme de Naomi Kawase que conheci.
A solução do caso de uma misteriosa morte acontece junto ao amadurecimento de
dois adolescentes que tem de lidar com questões concernentes aos conflitos das
relações interpessoais entre os vivos e com a dificuldade de aceitação da morte
sob o ponto de vista de alguém que vai deixar esse mundo sem ver no fato algo
necessariamente ruim. A temática é tratada de forma cautelosa, a morte de uma
das personagens ocorre sem brutalidade ou dor física. Ao invés disso, há o
corte da garganta de um bode na tomada inicial para instigar certas emoções em
quem assiste (o que retoma recursos usados por Eisenstein durante os anos 20 no filme 'A Greve'). O sentimento de
compreensão do outro e o sentimento de aceitação da natureza das coisas vai
sendo descoberto aos poucos pelos dois jovens.
Nanayo
(2008)
Título original: Nanayomachi
Nanayo termina seu relacionamento e
abandona seu emprego no Japão para ir viver na Tailândia. Como consequência de
um mal entendido, a jovem acaba se instalando numa casa de massagens onde passa
a conviver com uma pequena família tailandesa e um francês. Nanayo só sabe
falar japonês, não é compreendida e nem os compreende; a barreira linguística
entre as personagens passa a ser nosso foco de observação.
Nascimento
e Maternidade (2006)
Título original: Tarachime
Pequeno documentário registrando a relação
conflituosa entre Naomi Kawase e sua tia-avó. A vida da própria diretora é
registrada, os temas vão de discussões acerca de seu passado e as mágoas que
ela guarda até sua transformação advinda da maternidade. O intimismo do
documentário é algo muito particular e pessoal; o pedido de desculpas de sua
tia-avó dá um aperto no coração.