O HOMEM QUE FUGIU PRA LUA #1

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Parte um - Marieta, tatuagem e rotina

Meu corpo balança de um lado para o outro em uma sincronia harmoniosa com a trilha sonora que ouço. “_Não tão harmoniosa”. É divertido olhar para todos os passageiros que dividem “_com intimidade” o mesmo ônibus, balançando comigo a cada buraco, curva, ou parada, seja lá o que for ao som do que eu ouço. Parecem dançar. E com a cara de desgosto e infelicidade que estão, fica ainda mais engraçado. Isso me tira leves sorrisos, que para quem está olhando de fora, são sorrisos sem contexto e até um pouco insano. Mas então, “_a realidade bate na minha cara” e me vejo, em terceira pessoa, no meio de uma multidão de pessoas descontentes com suas vidas e seus fracassos. E ali estou eu, destacado, é claro, por ser o personagem principal.
Me pergunto pela terceira vez em menos de cinco horas numa série de realidades sobre a minha atual situação. “_Foi isso que sonhei pra mim uns quinze anos atrás?” E como resposta, um banho de água fria cai sobre meu corpo. “_O que aconteceu com o aquecedor do meu chuveiro?” Pergunto a mim mesmo. Fechar os olhos e respirar fundo e deixar o corpo ficar dormente da água gelada.
Divido o momento de jantar, almoçar, tomar café da manhã com Marieta. Que “_é uma vista de uma janela em frente a minha mesa.” Quando aluguei o cômodo onde vivo, notei a janela na cozinha. “_E só na cozinha”. Achei estranho. “_Porque uma janela na cozinha que dá vista para os vizinhos de prédio?” Mas acabei ficando. E hoje, a vista da janela é minha fiel companheira. E juntos, passamos por um bocado de coisas. E ela sempre me ensina sobre a vida. “_sobre a vida dos outros.” Mas a experiência vivida, seja ela por você ou por terceiros, ainda serve para aprendizagem. Chamo essa vista/janela de Marieta, não por parecer “_madeira”, porque foi o primeiro nome que veio a cabeça, e hoje, confesso, gosto do nome. “_Eu aprendo muito com Marieta.”
Sabe porque é melhor viver com Marieta? “_Porque ela não te critica. Ela não reclama de nada. Ela não te pede nada. Ela sabe ouvir. E não sabe falar. Pelo menos, não usa palavras. Ela não grita. Não chora. Não dramatiza.” E sabe porque é pior? “_Ela não faz sexo.” Mas me proporciona altos flagras amadores, e de todos os gêneros. Ah “_Ela sempre me deixa falando sozinho. Brigando sozinho. Reclamando sozinho.” Mas está sempre comigo.
O barulho repetitivo me tira de um sonho negro. “_Negro, porque nele não existia nada, além de um apagão.” O barulho que todo mundo que tem dificuldade em acordar cedo sozinho e acaba apelando para tecnologia para lhe ajudar, mas que odiamos do fundo do nosso coração me obriga a pular na cama. “_Eu não sonho, eu apago.” Literalmente. Olhar o meu reflexo no espelho do banheiro representa o quanto eu amo acordar cedo. “_E o quanto estou acabado, feio, estranho.” Velho. Onde foi parar aquele brilho de esperança e sonhos que sempre tive? Pessoas sempre me diziam, _Você tem uma energia legal. Uma boa vibe. Hoje, eu devo assustar as pessoas. Pois a única coisa que ouço delas, quando respondo perguntas feitas e jogadas ao ar da sala dos professores são _Credo professor. _Que isso professor? _Cadê o amor pela vida professor? _UAL. _Sério? _Eita professor. E por ai vai. Ah devo confessar, ainda existem um perfil de pessoas que chegam a mim para bater um papo legal. Um tipo de papo que te faz ir na lua. Não por ser um papo maravilhoso, mas para fugir de tal situação embaraçosa. _Você não acha que está velho demais para ter tatuagens? “_Oi?” Me pergunto até hoje se aquele homem sabe que tatuagens são para sempre. Sei que tem alguns métodos para retirar tatuagens, mas no meu caso, “_minhas tatuagens são para sempre”. Ah e para quem quer saber como reagi a tal cena de terror, vou descrevê-la. Eu ia rumo a parada de ônibus, e esse homem vinha em outra direção. Notei que ele ia falar algo comigo, pois me olhava e a mudança de passos me mostrou que vinha em minha direção, e notei também nos olhares negativos nas minhas tatuagens. Antes de nos aproximarmos, ele soltou essa bomba [repetindo] _Não acha que é muito velho para essas tatuagens? Deslizei alá Michael Jackson por ele e outras pessoas, ninguém entendeu nada. Fiz tal bobagem pois tinha acabado de receber o salário. Se fosse outro dia qualquer, bem provável que eu teria respondido algo.
Sou professor, e uma coisa é certa. Não foi o que mamãe disse para mim quando nasci _Esse menino vai dar pra professor. Na verdade, sou professor hoje, e não culpo ninguém por isso. Mas definitivamente não era isso que queria ser quando crescer. “_Aceita que dói menos”. Foi tipo isso que aconteceu. Aceitei naquele momento, e fui aceitando ao decorrer do tempo e das contas que iam aumentando também. Engraçado lembrar que aos 23 anos de idade, já tinha medo de mudar, por achar que não tinha mais tempo a perder. Hoje com os 30, definitivamente não tenho mais tempo a perder. Mudei, envelheci, mas a preguiça de mudança continuou. “_Acho que até aumentou, assim como a idade e a barba.”
“_Oi Marieta, o que você tem para mim nesta noite estrelada?” Dois meninos jogando videogame no prédio amarelo, enquanto os pais jogam alguma coisa na mesa na sala. O cachorro comendo o travesseiro no prédio rosa ao lado. Um senhor no escuro digitando no computador, e suponho que deve está se passando por algum novinho para alguém. “_A vizinha fogosa do prédio amarelo não apareceu hoje” e são quase meia noite, hora do “show” dela. “_alguma coisa aconteceu, ela é pontual.” Enfim, olhar um pouco mais além do que a minha vista enxerga onde estou sentado, vejo a lua. E como a lua está linda. Como a lua é calma. “_Me transmite uma calmaria tão gostosa.”
Não sei de onde ouvi  que “_as mulheres vivem na terra, mas são da lua.” Só sei que eu me mudaria para lua. Ficaria lá, naquela imensidão branca para sempre. Longe de tudo. “_levaria Marieta comigo, mesmo que lá não tenha parede, mas seria ótimo vê a lua da lua pela Marieta".


Art by Henn Kim

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