Ainda tomamos do mesmo suco de Laranja Mecânica...

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Há mais de 50 anos, o inglês Anthony Burgess lançava o romance A Clockwork Orange (Laranja Mecânica), trazendo nele crítica social, aspectos psicológicos que podemos considerar autobiográficos, visto o desprezível evento ocorrido à sua mulher e um mundo que me fascinou e que considero genial até os anos presentes, pois, mesmo 52 anos depois, a reflexão trazida por sua obra é transcendental, sempre foi desde de seu lançamento. No ano de 1971, o americano Stanley Kubrick dá ao mundo sua adaptação para o cinema do romance.


Laranja Mecânica nos leva ao uma autoanálise, esta ocorre mais precisamente em relação ao nosso discurso. Nós pensamos mesmo o que pensamos ou apenas reproduzimos maquinalmente discursos que soam belos aos ouvidos? A autonomia de nossa “ideologia”, “filosofia de vida”, “moral”, “ética”, chamem do que quiser, é posta em questão. As respostas para perguntas como “Por que matar é errado?”, “Por que descriminar é errado?”, “Por que devemos respeitar?”, por exemplo, parecem óbvias. Porém, no ápice de nossas contradições internas, tais respostas poderiam soar genéricas, advindas de anedotas comuns. Se essas perguntas possuem respostas tão óbvias e se todos dividimos de uma mesma consciência, porque então a intolerância e o desrespeito são tão comuns em nosso cotidiano? É nesse sentido que Laranja Mecânica sugere uma atmosfera em que respostas prontas são vendidas por meio de todos os veículos midiáticos, não há uma construção de consciência autônoma por parte dos indivíduos e sim um condicionamento em relação a repostas que, convenientemente, contrastam com ações que consideramos condenáveis.
Posso citar, a partir de uma experiência profissional minha, um bom exemplo para ilustrar isso. Durante uma aula no ensino fundamental, pedi que meus alunos escrevessem um texto pequeno em que o tema principal fosse ‘Preconceito’, mais especificamente, o que esses eles conheciam a respeito e, se conheciam, que dissertassem acerca disso. O resultado foi o esperado, os alunos fizeram apologia à tolerância e ao respeito, todos mostraram-se contra as ideias pré-concebidas. Entretanto, o que eu observava em sala de aula era exatamente o comportamento oposto. Durante uma temática de Religião em que crenças diversas são estudadas, há uma reação de reprimenda a respeito do ateísmo, há anedotas que envolvem o colega de sala gay, ou ao menos o que possui características que os demais ligam de alguma forma a um suposto “comportamento gay”, etc. O abismo entre a teoria, por assim dizer, e a prática é gritante. Mas isso não é algo que encontramos apenas em sala de aula com adolescentes, no meio social, lidando com adultos, esse comportamento é comum.
Em síntese, parecemos ter um discurso pronto quando percebemos que estamos sendo analisados, um discurso belo, respeitável e agradável aos ouvidos para mostrar aos demais que não somos aqueles monstros preconceituosos que adoramos condenar na tentativa de ressaltar a nós mesmos enquanto pessoas esclarecidas. É exatamente isso que ocorre com a personagem de Burgess, Alex. Ele passa a ser condicionado a reagir de determinada forma sempre que necessário, não porque condene as ações que considera erradas ou mesmo por preocupação com o próximo, mas apenas para preservar a si mesmo, sem pensar, sem argumentar, diz o que todos querem ouvir.
 
Texto postado originalmente em wviniciuss.wordpress.com

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