Maria Grazia Chiuri é a primeira mulher a dirigir a Dior, mas você sabia que, ao lado do fundador da casa, lá em 1946, três delas cumpriram um papel fundamental para que a maison alcançasse a relevância que tem hoje?
Moda tecnológica é com Hussein Chalayan, certo? Mas, e o trabalho de Elisabeth de Seneville, já ouviu falar? E o lado estilista da artista plástica Sonia Delaunay, conhece? Muitas mulheres foram importantíssimas para a história da moda e, no entanto, não receberam o destaque que mereciam no decorrer de suas carreiras. A desigualdade de gênero que ainda é uma realidade nesta área, e em tantas outras, tem papel fundamental nesse fenômeno. Aqui, (pelo menos) tentamos equilibrar essa balança jogando luz sobre estas estilistas, artistas, empresárias e criativas que precisam fazer parte do seu repertório fashion.
Louise Chéruit
Uma #GirlBoss no século 19
Apesar de pouco citada, a francesa nascida em 1866 foi um dos maiores nomes dos primórdios da alta-costura. Ao lado de Jacques Doucet, Jeanne Lanvin e Charles Worth, Louise ajudou até a definir o que, no futuro, se tornaria a Chambre Syndicale do setor.
Filha de costureira, antes de fundar uma casa com o seu próprio nome, ela se juntou a uma amiga – Marie Huet – para dar os seus primeiros passos no circuito couture. A Huet & Chéruit começou pequena, mas logo foi parar na Place Vendôme – epicentro da alta-costura, em Paris.
Em algum momento de sua história (não se sabe ao certo), a maison tornou-se somente Chéruit, e era conhecida por trazer opções menos formais às mulheres da época. No entanto, com o passar dos anos, a casa foi crescendo e acumulando outras atividades: peles, vestidos de noite e de casamento, lingerie e até roupas infantis entraram para o catálogo da etiqueta.
Em 1909, Louise assinou um documento que acabou sendo o responsável por uma das primeiras “dança das cadeiras” da moda. Lá estava estipulado que ela comandaria o ateliê até 1914. Depois disso, nada de fechar as portas já que suas duas parceiras – Madame Boulanger e Madame Wormser – assumiram as rédeas da maison e a fizeram brilhar com seus bordados cubistas até 1933.
Além de ser uma das poucas grifes comandada 100% por mulheres, ela ainda deixou o ponto na Place Vendôme para outra notável: a italiana Elsa Schiparelli.
Lucile
Nem um Iceberg segura o seu sucesso.
Seu nome verdadeiro é Lucy Christina ou Lady Duff-Gordon. Pode chamar como quiser, desde que se reconheça o seu valor para a história da moda. Para começo de conversa, a britânica que veio ao mundo em 1863 deu o start em sua carreira como costureira quando se separou de seu primeiro marido (sim, ela teve mais de um, mesmo naquela época). E não pense que demorou muito para que ela deixasse de costurar em casa e construísse o seu próprio ateliê. Em 1893, estava aberta a Lucile.
O sucesso de seus vestidos drapeados em tons pastel foi tanto que, em 1915, a couturier era a única a ter pontos de venda em três países diferentes. Além de Londres, Nova York, Chicago e Paris também tinham endereços com seu nome.
No quesito inovação, foi ela quem inventou a ideia do desfile. Na época, ele era chamado de “mannequin parade”. Treinadas por Lucile, as modelos caminhavam por palcos ao som de música tocada ao vivo em eventos fechados para convidados VIP. Ela também foi uma das primeiras a criar coleções com preços mais baixos para grandes lojas. A sua parceria foi com a Sears.
O mais inacreditável, no entanto, é que Lucile foi uma das passageiras do navio Titanic, que chocou-se com um iceberg em 1912. Ela e seu marido escaparam da tragédia pelo Lifeboat número 1.
Sonia Delaunay
Uma feminista colorida
Seu trabalho na arte é extremamente reconhecido (e muito merecidamente, diga-se de passagem). No entanto, a moda de Sonia Delaunay (1885-1979) – apesar de inovadora – não ganhou os holofotes com tanta frequência. Imagine que os mesmos conceitos que ela aplicava em suas telas serviam para as roupas. Não tinha como dar errado.
Sonia e seu marido, Robert, ficaram conhecidos pelos seus estudos relacionados à cor. Eles são os grandes nomes do Orfismo – uma corrente artística que transportou as cores vivas do Fauvismo (ali aplicadas em desenhos orgânicos) ao universo gráfico e geométrico. Assim, também funcionava a estamparia da artista (e estilista) que foi uma das primeiras a criar tecidos já pensando para se adaptaram ao corpo.
O corpo, inclusive, é um grande tema da sua contribuição para a moda. Para ela, respeitar o corpo da mulher era uma obrigação de quem se propunha a criar uma roupa. Suas peças tinham que servir para todas as necessidades de suas clientes na época: trabalho, festa, esporte… Ou seja, nada que aperte ou prenda, bem no mood Gabrielle Chanel.
Vale também destacar os seus “vestidos-poemas”, que levavam palavras de escritores como Tristan Tzara e Philippe Soupault, entre outros amigos surrealistas ou dadaístas.
Madame Raymonde, Madame Marguerite e Madame Bricard
As três mosqueteiras de Dior
Christian Dior era conhecido por estar sempre cercado de mulheres que o inspiravam de alguma maneira. No entanto, pouco se fala sobre elas. Tanto que, numa rápida pesquisa de Google, os nomes de Raymonde Zenacker, Marguerite Carré e Mitzah Bricard dão pouquíssimos resultados eficazes.
A primeira delas conheceu o próprio Christian quando ele ainda era um dos estilistas secundários da Maison Lelong, do couturier Lucien Lelong. Naquele momento, reconhecendo o seu talento, ela disse que para onde ele fosse, iria logo atrás. Assim, em dezembro de 1946, Zenacker foi uma das cinco primeiras pessoas a colocar os pés no icônico endereço Avenue Montaigne, 30. Ali, ela entrava na casa no posto de diretora de estúdio.
Marguerite Carré foi a primeira première de Christian, ou seja, sua primeira diretora técnica. Ela era responsável por coordenar as equipes de costureiras (todas trazidas do ateliê de Jean Patou, outro grande costureiro da época) para traduzir os desenhos do estilista nos vestidos incríveis que a casa confeccionou ao longo de sua história.
Por fim, Mitzah Bricard que, apesar de ser a encarregada pelos chapéus e cabeças da etiqueta, funcionava também como musa para o fundador da marca. Seu estilo carregava algumas características muito marcantes. Era raro vê-la sem seu chapéu que deixava uma tela cair sobre o rosto, alguma peça em estampa de leopardo e pérolas em volta do pescoço. Até John Galliano, em seus tempos à frente da grife, dedicou o Resort 2010 à Madame Bricard.
Elisabeth de Senneville
De volta para o futuro
A francesa Elisabeth de Senneville começou a trabalhar com moda antes de completar 20 anos. No entanto, foi só em 1975 (aos 30) que ela realmente colocou o seu nome na história ao criar a sua própria etiqueta.
Se por um lado a designer apostava em shapes simplificados como pedia a cartilha de estilo da década anterior, a sua preocupação com a tecnologia dava a pimenta que suas roupas precisavam. Plástico, borracha, fios de cobre, e até uma espécie de tecido anti-incêndio serviram de matéria-prima para suas peças.
A estética, não à toa, era 100% futurista. A ideia era criar uma roupa que respondesse às necessidades de uma mulher que ainda nem existia. Pense em vestidos que protegem a pele do sol ou que mudam de cor conforme a sua temperatura!
“Eu gosto de me descrever como uma designer do futuro e da tecnologia. Sempre tento imaginar roupas que possam ser usadas depois dos anos 2000”, dizia. De tão avançadas, algumas de suas peças se mantém completamente vanguardistas ainda nos dias de hoje.
Sybilla
A arquiteta espanhola
Sybilla nasceu nos Estados Unidos, mais especificamente em Nova York, mas passou a vida toda na Espanha e foi lá que conheceu e pegou gosto pela moda: no mesmo país de Cristóbal Balenciaga.
Há quem diga que ela é segunda maior estilista da nação depois dele, que ficou conhecido como o “mestre dos mestres”. Se Cristóbal era o purista que pensava muito mais na estrutura e na forma de uma peça do que em suas texturas ou cores, Sybilla unia os dois mundos e adicionava romance e humor a criações impecavelmente bem construídas.
Sua etiqueta surgiu em 1983 e não demorou para crescer. Desfilou em Milão e em Paris durante algumas temporadas e, com isso, expandiu seu negócio fazendo vestidos de festa e cosméticos. Rolou até uma colaboração com a Louis Vuitton, dá para acreditar? Em, 2005, contudo, Sybilla se afastou do mundo fashion e se mudou para a ilha de Mallorca. Por lá, deixou crescer e florescer a sua paixão pela agricultura e pelo lado social dessa atividade que sempre investiu e, inclusive, foi um dos grandes motivos de seu comeback, em 2015. A estilista voltou com controle total de suas atividades, desde a produção do tecido até as vendas em sua loja em Madrid. Atualmente, é possível acompanhar seu trabalho pelo Instagram da marca.
Jenny Meirens
O rosto escondido de Martin Margiela
Não é segredo para ninguém que Martin Margiela é um dos nomes mais reverenciados do mundo da moda. No entanto, o que poucos sabem, é que por trás do misterioso belga, escondia-se Jenny Meirens, uma mulher extremamente sensível para captar o espírito de seu tempo e de olhar aguçado para a subversão do belo.
Entre as suas contribuições para o sucesso da Maison Margiela (além de ter descoberto o designer em um concurso na Bélgica) está a ideia de deixar as peças da marca sem etiqueta. Aliás, o próprio estilista, a princípio, foi contrário a essa proposta posteriormente tão elogiada. Para agradar a gregos e troianos, eles deixaram as roupas sem label, mas, em contrapartida, quatro pontos costurados em branco tornaram-se o registro distintivo de suas criações.
Meirens, na verdade, não era apenas uma sócia do belga, mas também ficava com o lado business da empresa. Se o design controverso e de difícil assimilação do estilista se tornou rentável, a responsabilidade é de sua gestão inteligente e corajosa. Segundo ela, a dupla nunca tinha dinheiro para nada e, por isso, era obrigada a criar soluções cada vez mais baratas – e criativas – para resolver seus desfiles, coleções, lojas, etc.
Em 1997, foi Meirens quem fechou o contrato da Hermès com Margiela. Apesar de muito criticado “por ter se vendido” para uma marca de luxo muito mais comercial, o estilista conseguiu aproveitar o dinheiro que ganhou nesses seis anos por lá para investir em sua própria etiqueta. “Nós éramos completamente independentes: tanto criativamente quanto financeiramente”, disse para a T Magazine, do New York Times. “A liberdade era o mais importante de tudo, é claro. Esse foi sempre o nosso objetivo.”
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