Madonna
volta esse ano ao mercado fonográfico com o trabalho de inéditas Rebel Heart, seu décimo terceiro álbum. No
último dia 5, o primeiro vídeoclipe foi lançado, Living For Love, o disco tem lançamento programado para o início de
Março. Com isso, críticas que se repetem desde que a cantora completou 40 anos
de idade sempre permeiam diferentes textos que circulam internet afora. Nesse
post, pretendo refletir um pouco acerca da origem de tais críticas para que
possamos entender melhor como a artista, hoje, impõe-se contra as convenções impostas
às mulheres, mais especificamente no âmbito de seu envelhecimento.
Nos
anos 80, quando Madonna dominava a nova mídia advinda da TV a cabo por meio de
seus videoclipes na MTV, os músicos Hall & Oates lamentavam o fim do que
denominavam artistas genuínos, pois estes estavam fazendo sucesso por causa de
seus videoclipes e não de sua música. O ingrediente visual trazido pela MTV
cometeu o que se chamaria de “assassinato dos cantores do rádio”. Então, se
você quisesse que sua música fosse ouvida, você precisaria fazer um videoclipe.
Esse novo modelo televisivo desenvolvido nos EUA teve grande impacto na cultura
musical global; sua consequência é uma evidencia: atualmente, sempre que uma
banda/artista lança um disco, todos esperamos por um ou mais videoclipes.
Durante
anos, com seu sucesso comercial de massas, críticos reduziram a ainda jovem
Madonna a uma mistura inteligente de marketing e a aparições estratégicas na
MTV, que na época tratava-se de um meio musical inédito. Entretanto, uma carreira
estável de mais de 30 anos de duração mostrou-se suficiente para afastar muitas
dessas críticas. A despeito disso, existe o discurso que tenta diminuir sua
importância no cenário da cultura pop. Argumentos que antes eram pautados na
ausência de real talento artístico foram substituídos pela mensagem de que
Madonna é muito velha para ser relevante (existe algo mais triste do que um
discurso que busca desvalorizar alguém por conta de sua idade?). O fato de
artistas masculinos como Iggy Pop, Mick Jagger, David Bowie, Paul McCartney, Sting,
Steven Tyler, Keith Richards e tantos outros não receberem críticas com a mesma
abordagem evidencia que o sexismo e o estigma em relação a mulher e seu
envelhecimento persiste em nossa cultura.
Em
2015 Madonna completa 57 anos de idade (quase 60!!!) e o fato da crítica à sua
música e à sua postura artística frequentemente ser feita sob uma perspectiva
sexista e estigmatizadora da velhice é exatamente a razão de Madonna ser
relevante. É simples entender: pense no cenário da música atual (rock, pop, o
que for...) e tente lembrar de alguma cantora perto dos 60 anos de idade que
rebole em cima de um palco, de salto alto e roupa colada, e que, paralela e
contraditoriamente ao que muitos afirmam, continua recebendo atenção da
imprensa. Quantos nomes vêm a sua cabeça? Vários? Acredito que não.
Desde
o início de sua carreira a cantora usa temas como sexo, gênero, poder, religião
e medo, na música e em sua vida, e provoca discussão sobre as arcaicas
convenções e valores sociais. Não seria leviano atribuir-lhe algum crédito por
uma considerável mudança em nossas posturas acerca desses tópicos dos anos 80
até o presente ano. Quando jovem, Madonna utilizava sua juventude e imagem de
mulher sexy para disseminar seu discurso, sua performance roubava a cena. Hoje
é comum cantoras pop cantando sobre sexo; essa liberdade expressiva para as
mulheres no mundo da música foi precedida, no início dos anos 90, pelo álbum Erotica (1992); o contexto e a atitude
da artista eram compatíveis na época. Com esse disco, Madonna quebrou uma
barreira, pois antes de Erotica, não
havia uma abordagem como essa na música cantada por mulheres.
Mais
de 30 anos depois, sua ferramenta para gerar reflexão acerca das conversões não
é mais um corpo jovem, esse aspecto foi substituído por sua idade, que passa a ser
um dos seus melhores recursos. Tomemos, a título de exemplo, qualquer uma das
vozes femininas do cenário pop atual. Por que elas rebolando com pouca roupa
não é relevante e Madonna fazendo o mesmo o é? Bem, elas são jovens e belas, estão
agindo de acordo com a consciência geral, muitas delas não chegaram nem aos 30.
No novo milênio, essa postura não é desafiadora, não quebra paradigmas (claro
que não estou dizendo que não existam posturas conservadores em relação a um
simples short curto). Em contraste a isso, quando vemos Madonna
“sexualizando-se” em um videoclipe, temos algo novo. Não se trata de mais uma
cantora pop fazendo o que todas as cantoras pop fazem hoje, o que vemos é uma
senhora de quase 60 anos tendo uma postura que vai contra tudo que se espera de
uma mulher que não é mais jovem.
Nesse
ponto de nossa discussão, quero citar a entrevista de Madonna com Marina Person
(Marina, na época, era VJ da MTV Brasil) há mais de 10 anos atrás, em 2000. Uma
resposta interessantíssima merece ser lembrada aqui. No tocante a existência de
pressão e de sempre ter de fazer algo novo e revolucionário (pergunta de
Marina), Madonna responde “Não é preciso fazer muito para que as pessoas achem
que eu sou revolucionária. Sinto que não preciso fazer muita coisa para que
achem que estou fazendo algo fora do convencional.” Sim, a artista causa máxima
reação com o mínimo de esforço, o que apenas prova o quanto é difícil sairmos
de nossa zona de conforto. Nos dias atuais, Madonna é uma mulher e uma senhora
de 56 anos que só precisa fazer qualquer coisa que seja interpretado como algo sensual
para causar reação. Por quê uma mulher de 56 anos (ou mais) não pode fazer o
que bem entender, principalmente em relação ao sexo, sem ser hostilizada por conta
disso?
Assim
como em todos os momentos de sua carreira, o que Madonna representa em nossa sociedade
é traduzido em sua arte atual. Foi no álbum Hard
Candy (2008) que sua idade passou a ser sua principal arma de luta contra
as convenções. Durante esse período, convenientemente, estampou várias revistas
ao lado do jovem Jesus Luz. Era óbvio que o fato atrairia a atenção da mídia e
essa era a intenção. O fim da promoção de Hard
Candy, ~coincidentemente~, também foi o fim de sua relação com Jesus Luz.
Então em seu disco seguinte MDNA (2012),
a mídia cria uma rixa entre uma novata e os mais de 30 anos de carreira da
veterana. Comparar artistas de gerações totalmente diferentes? Pauta nada menos
que absurda, mas o tipo de coisa que tem como alvo os adolescentes em massa na
internet e por isso teria repercussão. São esses jovens os principais
consumidores de música pop. A polêmica poderia ter parado com uma simples
declaração de Madonna, mas ela decidiu botar mais lenha na fogueira para
promover a turnê do disco. O resultado foi o esperado, a MDNA Tour, mesmo com ingressos que custavam o olho da cara (pois
trata-se de um show gigantesco),
estava entre as turnês que mais faturaram no ano em questão. Esta é outra das características
de Madonna, ela foi a primeira cantora pop a conseguir controle absoluto da
própria carreira e, com a experiência, aprendeu também a manipular a mídia.
Madonna
durante MDNA Tour (2012)
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Em
seu momento atual, a concepção de mundo que Madonna desafia é aquela que faz
com que nos sintamos desconfortáveis com uma mulher de 57 anos desempenhando um
papel que apenas julgamos aceitável para mulheres jovens e homens de qualquer
idade. Afinal, quem nos deu autoridade para determinar o que essa senhora (ou
qualquer outra) pode ou não fazer? Essa postura hostil sobre a cantora nada
mais é do que uma projeção do problema que temos em entender e aceitar pessoas
que contribuem com nossa cultura de formas que, coletivamente, consideramos
inaceitáveis e não são baseadas no conteúdo ou em sua figura, e sim no machismo
e na estigmatização da velhice.
E
quem melhor do que Madonna para ser precursora de um discurso assim? Os nomes
relevantes no mercado fonográfico não o poderiam fazer de forma eficiente,
falta-lhes algo fundamental para essa prática, algo que nem a superficial
indústria da música pop consegue tirar da ordem natural das coisas e
transformar em produto para que essas jovens cantoras usem como acessório: a
VELHICE. Quando, daqui a 30 anos, as jovens divas que conhecemos forem senhoras
e estiverem firmes e fortes em cima de um palco mostrando ao mundo que podem
agir como bem quiserem mesmo não sendo menininhas, já será tarde para terem o
título de revolucionárias, pois estarão apenas disseminando um discurso de hoje
que tem Madonna como precursora. Então, dizer que a veterana sente-se ameaçada
pelas demais é, no mínimo ingênuo, dada a situação única em que se encontra.
Tirar uma conclusão desse tipo, sem ter a mínima noção desse contexto, é cair
no senso comum partindo do pressuposto de que o jovem é sempre superior ao
velho, uma máxima duvidosa, como acredito ter deixado claro nesse texto.
Em
uma síntese do que discutimos aqui, fica evidente que o fato de Madonna ser
velha (e não uso o termo ‘velha’ de forma depreciativa) é exatamente a vantagem
que a artista tem sobre as demais. Trata-se da ferramenta certa no momento
certo e, ao contrário do que a maioria diz, isso precisa ser compreendido e
celebrado.
Adoreeei. Você tá de parabéns pelo texto. ^^
ResponderExcluirObrigado minha linda, é importante q façamos essa reflexão
ExcluirParabéns cara, que texto maravilhoso!
ResponderExcluirhaha valeu :)
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirshow Vinicius!!! Vc é um jovem a frente de seu tempo. Parabens!! Poucos tem sua percepção, sua ousadia e sua atitude!!
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