O HOMEM QUE FUGIU PRA LUA #3

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Parte três - Cíntia, miopia e rock and roll


Segunda-feira é aquele dia da semana que a pessoa, “_sendo lúcida, é claro” pensa pelo menos duas vezes em seguir o caminho mais fácil. “_O suicídio”. Mas ai você põe seu querido e velho rock and roll para dar aquela animada. E claro, como consequência, vem aquela depressão, por não ter conseguido ser um velho rockstar. E sua balança de realizações pesa para um lado sombrio e sua realidade te leva para o constante mal humor.
Chegando a parada de ônibus, sou recebido por várias caras horrivelmente tediosas, mas não me assusto, porque tenho certeza que a minha é pior. Então, logo faço todos pararem de me analisar. Meu ônibus chega, e como costume, cheio do inferno de onde vem. Chego a escola, renego o bom dia de todos, sento e espero a hora mais feliz da minha vida. “_Dar aulas”.
Hora de voltar para casa. Antes passo no bar dos amigos, bebo um pouco, para a vida fazer um pouco de sentido. Pego meu ônibus. Meu celular descarregado, sendo assim, nada de trilha sonora. “_Droga”. Então, sou obrigado a observar pessoas no ambiente em que divido “_com intimidade”. E claro, uma figura feminina loira chama a minha atenção. Pernas de fora. “_E que pernas”. Ela nota meu olhar faminto. Mas não se irrita. Deve ser acostumada a olhares de admiração. E me pergunto, será que ela sempre pega o mesmo ônibus? E volto a me questionar o quanto eu não olho as pessoas que estão em minha volta. Então, decido observar onde ela vai descer. E para minha surpresa, eu desço primeiro. E lá se vai ela, junto com o ônibus. Seu olhar no meu, é cortado, quando o ônibus se distancia.
Na rua onde moro, tem uma padaria, um mercadinho, uma escola de línguas, um pet shop, um sex shop “_sou cliente fixo” e uma garagem que todas as segundas e quintas, ouço uma banda independente ensaiar. Nunca vejo essa banda, mas ouço. E essa galera tem talento. Quase chegando na entrada de casa, um cachorro gordo vem correndo em minha direção. “_Puta merda, ele vai me morder”. Tento abrir a porta rápido, mas meu nervosismo não deixa. Não falei, mas tenho trauma de cachorro. Quando criança, fui atacado por um, e desde então, não controlo minhas pernas. Com o susto, caio e o cachorro senta e me olha. E o olho de volta. Descubro que é fêmea. Ela descobre que sou macho. “_Macho mole, mas sou”. Ela parece que quer brincar. Então, pego a primeira coisa ao meu lado e jogo bem para longe. Igual aos filmes clássicos em que o cachorro vai buscar o que você joga. Mas ela renega. “_Estou cercado de criaturas que renegam os outros.” Ficamos ali, sentados por um bom tempo. Não sei o que ela quer de mim. Mas eu quero entrar e comer. Estou com fome. Então… “_Será que ela quer comer algo?”
Pulei toda a parte chata e humilhante de como consegui entrar em casa e como ela me seguiu e pulou na minha cama. E como descobri que o nome dela é Cíntia. É chato, longo, e não estou afim de narrar tudo. Nunca tive animais de estimação. E parece que Cíntia veio do nada para preencher esse vazio. Ai me pergunto, “_Quando foi que falei que existia esse vazio em minha vida?” Eu não sei, mas como sou frouxo demais para expulsar ela de casa, o jeito é deixar ela por aqui, pelo menos até o verdadeiro dono chegar. Não é comum ter bulldogs de rua por ai. Liguei meu notebook, dei play e Cíntia latiu. Acho que ela gosta de rock.
Sento na minha mesa de costume. Observo Marieta. Imagino como seria minha vida se eu não tivesse que corrigir tantas provas para entregar amanhã. E tenho uma conclusão… “_Seria incrível.” Pego minha pasta de provas e então, começo a corrigir. E não sei o que é pior, está fazendo o que tenho que fazer, ou ter que assumir que não enxergo nada sem meus óculos. E odeio ter que usar óculos. Só me faz acreditar que estou ficando velho. E não sou o tipo de cara sexy de óculos. Pelo menos eu não acho. Já é madrugada, e ainda falta algumas provas. “_Que droga” e logo vou ter que acordar para ir trabalhar. “_Que droga”.
Desligo as luzes e vou pra cama quase dormindo. Deixo o corpo cair na cama, tento achar meu travesseiro e apago. Dia amanhece, e não sei se estou piorando ou pode ser um sinal que posso melhorar. Estou dividindo minha cama com uma cachorra gorda e babona. Suspiro.

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