Trem
Um trem chega e o outro parte, e é assim, do
mesmo jeito, em qualquer estação e em qualquer hora do dia. E olhar os trens
chegando e partindo, faz Aurora, a figura constante na estação todo sábado
pensar na vida. No como a vida é engraçada. Em um exato momento, a vida está
fácil, outro momento está difícil. Não tem mistério. Não há segredo. É como
beijos. Sem fim.
Aurora é do tipo que não se ilude com miragens da
vida. E ouvir bobagens sobre ela, ditas por quem tem bobagens a dizer em
viagens curtas de uma cidade a outra a faz gostar de viver. Ela gosta de se
sentir desejada. E gosta de brincar com os desejos dos outros. Aurora não sabe
amar. E foi assim desde sempre. Ela aprendeu a não amar ninguém, e observar maridos,
homens, que começam a conversa dizendo o quanto ama a esposa, namorada, quando
ela se depara com homens sinceros, e depois terminando em uma cama de motel, ou
as vezes até nos banheiros da vida, faz acreditar que não existe amor de
verdade. E quem acredita que ama de verdade, não passa de pessoas tolas com
cabeças cheias de vento e contos de fadas postos a crianças desde sempre.
Aurora sempre observa as pessoas errando feio com seus derivados amores. “É real
e mágico? Que nada, não passa de mentiras.”
Aurora
usa uma camisa com a seguinte frase “You got to be strong, and keep moving on[1]” sentada
num canto, observa uma banda independente tocar para conseguir alguns trocados.
E o som deles diferente de muitas outras que costumam dividir o palco
improvisado, não se trata apenas de um barulho rebelde, mas uma sonoridade
suave, com letras cheias de bobagens românticas. E Aurora se sentiu muito bem
com aquela trilha sonora. E imaginou o cantor, com todo seu charme da cor negra
contando tudo aquilo em seu ouvido. Com seu celular filma um pouco o cantor de
cabelos de dreads cantando, quando mais um trem chega. Aurora observa quem sai
e principalmente quem entra. Ela segue um homem que chegou correndo na estação.
Aurora o seguiu, sentando ao seu lado no trem. _Sempre correndo assim? Pergunta
Aurora ao homem que deu uma risada discreta como resposta. _Sou Aurora.
_Sou Amaro.
_E
eu já estou amando, Amaro. Aurora começa a rir, ao notar que o fez rir mais do
que ela pensou que o faria, pois acreditava que ele já devia ouvir muita essa
cantada. _Você é casado? Pergunta Aurora ao notar uma aliança no dedo do homem.
_Não,
gosto de alianças.
_Sei!
Aurora sabia que aquele ali não iria poupar das mentiras para levá-la para
cama. Ele aparentava ser um bom homem, pai de família, que deve ter tomado um
café feito pela dedicada e tola esposa, mãe de talvez três filhos. Supunha
Aurora por ser fogoso enquanto tira bruscamente as roupas de Aurora. Usa terno,
deve ter um bom emprego, e deve pagar escola aos filhos que acham que ele é um
herói. E mesmo assim, tudo aquilo, que eles acreditam ser uma vida perfeita,
tudo não passa de mentiras. Aurora veste suas roupas, retoca sua maquiagem no
espelho do banheiro enquanto o Amaro não para de suspirar. O trem para na sua
estação. Aurora se despede e sai. _Você não vai me dar seu número? Aurora o
renega, se distanciando cada vez mais.
Seu
celular toca no meio da madrugada. Ela atende. Logo após desliga. O celular
toca novamente. Ela atende. Depois desliga. O celular toca novamente. Ela
decide renegar. E continua a dormir. O dia amanhece. Aurora tem uma reunião
sobre o tema da capa da revista do mês. Ao chegar a sala, que já está completa,
renega todos os bom dias que lhe dão ao passar por eles, Aurora sabe que quase
todos ali já foram pra cama com ela, uns muitos bons, outros horríveis, e
tirando o seu amigo gay, todos ali já tiveram uma certa intimidade com ela.
Aurora senta e fica a disposição de quem tem ideias a mostrar. Um garoto
franzino, tremendo mais que tudo, tentando passar a sua ideia. Aurora acha
graça da situação. Logo a após, uma garota, sorridente e confiante no que quer
apresentar. Aurora começa a se arrepender por ter aceitado a ideia do projeto
de dar chances aos calouros no mundo do marketing, tudo aquilo era cansativo e
irritante. E ninguém parecia que tinha material suficiente para revista.
Aurora
começa a mexer no celular. Uma garota chega com uma ideia que agradou mais da
metade da equipe da revista. Aurora até então não tinha parado para ouvir sua
proposta. A garota continua a falar sobre o amor, correspondido e vivido nos
dias atuais. _Como assim falar sobre o amor? Desde quando amor é levado a serio
nos tempos de hoje? Pergunta Aurora ao notar que sua equipe estava quase
aceitando a ideia da jovem. _Como é o seu nome mesmo querida?
_Eu
me chamo Clara.
_Quantos
anos você tem Clara?
_23
anos.
_Então
você é um exemplo de que o amor existe e realmente dar certo?
_Creio
que sim.
_E
porque o amor seria tema de uma revista em pleno anos 2016? Ainda mais quando
se trata de primeiro amor? Que bobeiras!
_Porque
o amor é o centro de tudo. E o que eu queria passar é que tudo começa com o
amor. A inspiração de tudo vem a partir do amor. A garota que começa a se arrumar para se
sentir linda, e para chamar atenção de quem ela acha amar.
_Ual.
Aurora levanta batendo palmas _Isso realmente é patético.
_Aurora!
_O
que foi Augusto? Não vai dizer que gostou dessa historia? Que isso? Só falta
dizer que vamos colocar horóscopo no final da pagina. Fala serio. Eu recuso em
trabalhar nessa edição, se esse tema for escolhido. E cansei. Estou saindo.
_Porque
você tem tanto medo do amor? No mínimo ainda não amou alguém de verdade. As
palavras de Clara faz todos olharem para Aurora que para na entrada da porta.
_Como
é que é querida? Aurora volta para sala
_Quero
dizer, porque amor não seria uma proposta boa para os dias atuais? Se você
mesma se surpreendeu com o tema. Não parou pra pensar que esse tema surpreenderia
qualquer um? E a concorrência? Não parou pra pensar que a revista sairia na
frente com um tema assim, tão simples, e forte.
_Ela
tem toda razão. E se alguém ainda estivesse com alguma duvida, Clara acabou de
tirar todas elas. Quero esse tema. E suponho que grande maioria também. Então,
Aurora, aceite, AMOR será o tema desse mês.
_Patético! Aurora deixa a sala, entrando no seu carro.
O
silêncio é como um barulho previsível. E
diante da situação, Aurora só consegue pensar em um lugar a não pensar em nada,
mas também não deixar sua mente em branco. Não ter controle dos seus
pensamentos, as vezes, é torturante. Sentada num banco na estação, Aurora fuma
um cigarro enquanto vê trens partindo e chegando. “Amor. Porque o amor tem que ser o centro de tudo? Porque todos prezam
tanto esse sentimento como o principal de tudo? Será então que eu sou a errada?
Não tenho culpa por não saber amar. Pelo menos, por não saber amar todos os
dias. O medo de viver a vida inteira com uma pessoa que pode mentir para mim
quando enjoar do que eu tenho a oferecer me dar calafrios. Que culpa eu tenho
se não amo todo dia, que culpa eu tenho se o amor é uma mentira?”
_Oi
moça bonita. Ou você gosta muito de trens, ou muito da minha banda. Aurora se
assusta ao notar que o vocalista da banda que recentemente vem tocando na estação
senta ao seu lado. _Sou Dank.
_Dank?
_Sim.
_Legal.
_E
como é o seu nome?
_Sou
Aurora.
_Lindo
nome.
_Obrigada.
_Então
Aurora, você é uma fã da minha banda ou fã de trens?
_Gosto
de viagens curtas, e gosto das bobagens que canta durante a espera.
_Ual,
você é hilária. Dank começa a ri.
_Sou
muito mais que isso.
_Que
interessante.
A porta do apartamento se abre de qualquer
jeito. Dank entra beijando Aurora e juntos, caem na cama. Beijos e carinhos são
a marca da noite estrelada e acompanhada por gemidos e arranhões. Já no fim da
noite, Dank canta uma melodia a Aurora que dorme em seu peitoral negro.
A
luz do sol entra forte no quarto de Aurora que acorda assustada procurando seu
celular. _Droga! Droga! Dank acorda com a agonia de Aurora. _Perdi a hora. Hoje
tem uma reunião importante. Droga. Cadê meu celular?
_Você
já olhou na sala? Pergunta Dank girando para o outro lado para continuar a
dormir. Aurora corre na sala se
vestindo.
_Ei?
Aurora empurra Dank _Acorde.
_O
que foi?
_O
que você ainda faz aqui? Já era para ter partido.
_Porque
faria isso?
_Porque
essa é minha casa.
_Mas
e ontem?
_Ontem
foi ontem. E hoje é um novo dia. E nesse dia, não quero vê você.
_E
quando você quer me vê?
_Sei
lá. Talvez daqui há dois meses ou quem sabe nunca mais.
_Como
assim nunca mais? Foi ruim a noite anterior? Creio que não, porque sei muito
bem quando uma mulher gosta da pegada do negão aqui.
_Nossa
como você é convencido.
_Estou
mentindo?
_Não
Dank, foi gostoso, o problema é que hoje é outro dia, e não costumo dormir com
ninguém. Muito menos trazer para minha casa. Não sei onde estava com a minha
cabeça, mas agora, quero por favor que vá embora.
_Porque
não? Dank se levanta se vestindo _Qual o problema nisso? Dormir juntinho.
_O
problema que isso vira algo que eu particularmente não gosto.
_O
que seria? Um relacionamento?
_Isso
amor. Agora vai embora.
_Porque
isso é um problema para você? Dank está do outro lado na porta quando Aurora
fecha a porta.
_O
problema é que não costumo corresponder às pessoas com esse sentimento que
todos tanto veneram. O Amor.
“O amor chega assim como se não quisesse nada na sua vida. Te bagunça
toda, te deixa sem chão, sem controle, sem nada.”
_Que
lixo isso. Sussurra Aurora
_Você
prometeu dar uma chance a esse tema. Sussurra Augusto
_Ok,
prometo não atrapalhar.
“O amor não é uma obrigação. Ninguém é
obrigado a amar. Mas o amor está vivendo ao nosso redor sempre. Desde sempre.
Você ama tudo. E tudo está ligado ao seu bem estar.”
_Já
acabamos por aqui? Então já me antecipei sobre essa edição, e coloquei alguns
responsáveis para lidar com cada etapa. Então aqui estão os nomes. Farei aquela
viagem para uma pesquisa de campo sobre o lançamento da próxima edição que nem
acredito que já é o aniversario da revista de 10 anos. Então até depois amores.
_Você
não vai está aqui no lançamento?
_Não.
Mas ficarei vendo tudo pela internet. Porque também deixei alguém responsável
por me manter atualizada.
Às vezes, a ideia de amar alguém todos os dias
assuste pessoas. As vezes a ideia de dar chance para as pessoas mostrarem que
são confiáveis e amáveis seja algo doloroso. Pessoas que sempre viveram
sozinhas. E aprenderam com o medo a ser assim, solitárias. Então manter a
distancia de tudo que possa se transformar em algo maior é a melhor saída. E
quem disse que vida é tão simples assim? Quem disse que não tem mistério
nenhum?
_Aurora?
_Dank?
O que faz aqui?
_Vai
viajar?
_Porque?
_Porque
vou nessa viagem com você.
_O
que?
_Me
dê uma chance de mostrar que amar não é tão assustador assim.
FIM
1. Tradução: ¹ "Você tem que ser forte e manter em movimento”