Eu não amo todo dia - Último conto

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Not Yesterday


Sexta-feira noite, num quarto onde costuma sempre ser diversas partes do espaço, Dank tenta manter os irmãos trigêmeos calmos enquanto gritos de insultos e agressões verbais são jogados ao ar na sala. O garotinho que sente vontade de sair chorando do quarto para pedir para pararem de brigar, engole tudo para passar aos irmãos menores uma sensação de segurança. “_Tudo vai acabar bem”. Foi o que Dank conseguiu dizer aos irmãos. Mas não foi bem assim que terminou. Seu pai saiu de casa e nunca mais voltou. 

11 anos depois, Dank ainda ouve os gritos da sua mãe no quarto. Mas nada como um abraço e palavras de amor para fazê-la sentir-se calma e acolhida. Não abandonada. Dank repete o ato várias vezes ao dia. E foi isso que seu pai deixou além de filhos desamparados, contas a pagar e uma casa a sustentar. Apesar de todas as dificuldades e preconceitos, Dank é um rapaz feliz e sonhador. E com a banda que formou com os amigos, consegue alguns trocados para ajudar em casa. Sua vida ia seguindo em rota lenta o mar das escolhas, até conhecer Aurora. Uma garota difícil. Porém, apaixonante.

_Aceite a canção que fiz, a rima é pobre, mas quando o coração é nobre...
_Não, por favor. Não comece.
_Deixa...
_Não.
_Deixa a música tocar a sua alma.
_Por favor, que bobeira.

Essa foi a última conversa que tiveram verão passado. Aurora não quis a companhia de Dank. Mesmo depois de todos os sacrifícios que ele previu para estar ao lado dela, não foram suficientes. Aurora desapareceu. E nunca mais voltou. E Dank não soube lidar com mais esse abandono. Sobrando apenas a música. 


A noite está fria. Mais do que o costume. Desde que Aurora partiu de vez e nunca mais apareceu, as noites costumam ser assim. Mesmo com visitas nos sonhos, Dank ainda sente frio. Esse frio pode se chamar solidão. E seu apelido, saudade. E o silêncio que consome as horas mais escuras que são sem o sol e sem Aurora, poderia ser facilmente substituído pela música que Dank ouve no momento “RY X – Sweat”. Dank consegue dormir. E sua noite fica mais estrelada. Ele se encontra numa estrada sozinho. E o céu está muito estrelado. E parecia que havia uma sincronia nas estrelas, que brilham de formas diferentes. Como pisca-piscas de uma árvore de natal. Dank deita no chão e observa os movimentos assoviando a cada brilho forte que as estrelas lhe proporcionavam. E logo percebe que dá uma rima.

O sol nasce. Dank veste as cores que lhe representam tanto ainda com a rima na cabeça. Serve o café da manhã aos irmãos e dá atenção a mãe, enchendo-a de beijos e carinho. Por fim, pega a sua bicicleta e com o violão nas costas, vai ao encontro dos amigos na estação de trem.

_Hoje fiz uma canção, para uma melodia que sonhei. E quero ajuda de vocês. Diz Dank jogando a bicicleta ao lado.
_Então vamos lá.
_O que eu te falei sobre usar batom Roberto?
_O que foi Dank? Não reclamo do seu macacão de presidiário estampado. 

Dank e os amigos conseguem finalizar a canção. E a consideram a canção chave para divulgar a banda na internet. E a esperança de conseguir mais dinheiro com o sonho em ser um astro da música enche o peito de Dank. _Vamos conseguir galera. Vamos conseguir. Agora, vamos tocar que tem muita gente chegando ai.


Dank e sua banda fazem um show incrível na estação, cheio de animação e entusiasmo. E chama atenção de uma pessoa que passava por ali. _Oi amigos, posso dar uma palavrinha com vocês?

_Claro que sim amigo. Tudo bem?
_Tudo sim. Gostei muito do som de vocês.
_Valeu!
_Sou Fábio e trabalho com a banda Suricato. Conhecem?
_Claro que sim. Respondem todos entusiasmados e assustados com o que veria acontecer a seguir.
_Eles vêm fazer um show aqui, e quero saber se vocês aceitam abrir o show deles. O que acham?

A proposta ecoou na cabeça de Dank por várias e várias horas depois deles confirmarem. E a ideia de cantar no mesmo palco de uma banda tão legal e já conhecida pelo público brasileiro o faz sentir borboletas no estômago. Antes do show, Dank e seus amigos encontram Fábio várias vezes durante o mês, não só para tratar de algumas formalidades, mas principalmente por terem virado amigos. Duas semanas depois do show em que eles abriram, Dank foi surpreendido com uma ligação inusitada.

_Como?
_Bom dia, aqui é Clara. Sou estagiária de uma revista que precisa de uma entrevista com sua banda para ontem. Aceitam? Dank sentia o corpo todo arrepiar.
_Claro que sim. Quando, onde e que horas?
_Vamos marcar para amanhã bem cedo, pois precisamos fazer umas fotos. Tudo bem pra vocês?
_Ótimo. Perfeito. Sim. Sim. Claro.


Dank e seus amigos chegam ao local, onde pegam um carro e vão para o local das fotos. Dank está nervoso, porém feliz. Ansioso. Enquanto estão no caminho. Clara, a estagiária conversa sobre o quanto o som da banda deles explodiu. _Galera o som de vocês é incrível. Parabéns.

_Você foi ao show da Suricato?
_Infelizmente não pude, estava com meu bebê. Sou mãe. Mas vi no youtube. E fiquei apaixonada.
_Ah valeu. E ai, você sabe onde será o local das fotos?
_Será num parque de diversão abandonado que o Tommy encontrou. Responde Clara apontando com a cabeça o garoto que mexe na sua câmera na poltrona atrás da van. _Ele é um fotógrafo muito talentoso. E claro, um aventureiro nato. Gosta de andar por ai na sua moto pesquisando cenários. 

A van estaciona no local abandonado, onde já tem uma equipe preparada lá. Dank desce do ônibus. E fica encantado com o local. Tommy os chama para explicar qual a sua ideia.

_Oi, sou Tommy, tudo bem com vocês?
_Sim. Estamos felizes por essa oportunidade. E principalmente fascinados por esse local. Já quero o nosso primeiro clipe aqui. Diz Dank brincando.
_Posso dirigir o clipe de vocês?
_Sério? Dank se assusta, ao notar o interesse de Tommy.
_Claro, podemos fazer um trabalho bem legal. E adoro fazer coisas novas. Nunca dirigir um clipe, mas tenho ótimas ideias. O que me dizem?
_Não temos ainda dinheiro para um clipe. Diz Dank chateado.
_Mas posso fazer algo bem legal com o que tenho. E com certeza vão fazer bastante sucesso. E depois deste sucesso, vocês me pagam. Dank curtiu a ideia. E aceitou. Os dois ficaram conversando sobre as ideias do ensaio fotográfico quando uma voz feminina chega tumultuando o local.
_CHEGUEI MEUS AMORES. Dank tenta reconhecer a mulher no meio da multidão. Sente seu coração acelerar. “_Não acredito”. As seguintes palavras saíram de duas bocas ao mesmo tempo quando os olhares se encontraram no meio de tanta gente. Dank fica frente a frente com _Aurora.


_Dank?
_Você voltou.
_O que faz aqui no trabalho da minha revista?
_Eu sou o motivo dessa multidão aqui.
_Como assim? Não me faça ri.
_Por quê? Não posso ser o motivo de algo assim?
_Dank o que faz aqui?
_Faço parte da banda que sua revista convidou para uma matéria.
_Você faz parte da banda Magnólia?
_Eu sou o cantor. Esqueceu que me conheceu em um dos meus shows na estação?
_Verdade. Sabia que reconhecia aquele som de algum lugar.
_Ual. Você não pensou em mim esse tempo todo?
_Dank, eu já te falei sobre...
_Não amar e blá blá blá. Aurora, eu sofri a cada dia e noite que passei sem você. Pensei que você não voltaria para mim. Nunca mais.
_Não te dei esperanças Dank.
_Todas as noites você me salvava de todos os pensamentos ruins que tentavam me assombrar antes de dormir.
_Dank
_Sonhava com você todas as noites. Sonhei com uma melodia. Você pelo menos sabe qual o nome da música que deu tanto acesso no youtube?
_Não. Desculpe.
_Se chama Aurora. Dank deu uma pausa para respirar _Sonhei com a sua melodia.
_Como? Aurora não consegue entender.
_Achei que poderia te fazer feliz. Pensei que você poderia aprender a amar. Não te pedi para amar loucamente como tanto teme. Pedi que apenas me amasse um dia após o outro. As pessoas tendem a amar e deixar de amar todos os dias. Ninguém ama todos os dias. Eu não amo todo dia. Mas só pedi pelo seu amor por apenas um segundo. Mas você não quis. Dank dá as costas para Aurora.
_Dank! Espere. Aurora segura a mão de Dank. _A música que fez, foi para mim?
_Não é um Yesterday da vida.
_The Beatles! Os dois dizem ao mesmo tempo como fãs que são.
_Mas sim, foi feito para você. Dank se distancia de Aurora aos poucos.
_Obrigada. Diz Aurora de longe. _Por me amar como ninguém amou. 

A banda de Dank conseguiu outros trabalhos depois da matéria. Fabio começou a trabalhar para eles. Não apenas Fábio, como Tommy e Clara. A amizade deles prevaleceu. E eles estiveram juntos a cada passo que a banda ia dando. Dank hoje consegue manter a família. E isso lhe deixa extremamente feliz e completo. 


A brisa do mar bate no rosto de Dank que sente a calmaria de Fortaleza. O sol está quase se pondo. Não há mais ninguém na praia além dele e poucas outras pessoas mais distantes. Dank respira fundo ao som de “Hollow Tree” da banda “Old Man Canyon”. Quando um longo cabelo negro ao vento uns três metros a sua frente o chama atenção e se mistura a linda paisagem que ele aprecia. A garota de pele chocolate para na beira do mar. Dank vai ao seu encontro. Parando ao lado dela, que permaneceu olhando o sol se pondo. Os dois ficaram ali, um do lado do outro, olhando a beleza do sol partindo.

_Sou Dank.
_Sou Débora.
_Pensei que se chamava Pocahontas.
_Adoro a Pocahontas. Os dois se olham fixamente e começam a ri.
_O que mais você gosta?

FIM

Conto baseado na música “Not Yesterday” do álbum “Sol-te” banda “Suricato”.
  

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