Quando você crescer
O brilho e o calor do sol aquece o corpo de
Clara, que está deitada no chão da cobertura do prédio onde mora,
costume que aderiu depois que sua vida mudou para o que é hoje. Olhar as nuvens se movendo lentamente
nas primeiras horas que o sol nasce faz Clara esquecer o que lhe tira a sua paz
interior. E escrever seus sentimentos num diário velho ainda é um costume que
ela não deixou acabar, e até hoje, depois que o sol realmente esquenta, que ela
começa a escrever tudo que lhe aflige e emociona.
***
20 de agosto de 2015
E às vezes me pego odiando ele. Acordo
no meio do meu melhor sono. Já não sei se ainda tenho um melhor sono. Tento
acordar Kadú. Ele me renega. Olho fixamente e revoltada. Penso alto: “Como e quando ele mudou tanto?” Antes
fazia tudo para mim. Fazia me sentir uma rainha. “Eu era uma rainha”. Hoje, ele deixa tudo para cima de mim.
Onde foi parar o amor que eu sempre sentia
quando o avistava de longe, no meio da multidão? Tão lindo. Um príncipe. Um
príncipe gordinho, “mas quem foi que
disse que os príncipes tem que ser atlético?” Eu particularmente adoro toda
essa “gordurinha” fofa que cobre o
seu abdome. Se é que existe um dentro daquela barriga. Às vezes me pego amando
ele de novo. Loucamente, assim como o inicio.
Olho meu reflexo no espelho: “_É isso mesmo Clara? Essa é a vida que você sempre desejou?” Onde foi que eu
deixei de lado meus sonhos e objetivos?
Realmente não lembro. Talvez quando me apaixonei por Kadú. Ou talvez com
a chegada de Juninho. Claro, tudo ficou muito mais complicado com a chegada de
Juninho. Realmente minha vida mudou. Minha relação com meus pais. Minha
situação na faculdade. Ainda tive que trancar minha matrícula chegando já nos
estágios. Adorava meu curso.
Olhar
Juninho tira todo o ódio de ter acordado no meio da madrugada. Ainda mais
quando ele ligeiramente para de chorar e lança aquele sorriso sem dentes quando
me vê. Às vezes acredito que ele faz esse drama todo, só para me olhar. Às
vezes me pego triste, só em lembrar o que minha mãe disse, quando falei que
estava grávida. “_Tira essa criança
enquanto pode, porque ela vai destruir tudo o que você um dia pensou em
realizar.” Foi uma barra ouvir tudo isso. “_Sabe aquelas viagens que você queria fazer? Desista delas, porque com
essa criança, a única viagem que vai fazer é a linha tênue que irá viver.”
Quando lembro choro. Impossível não ficar mexida com isso. “_Você é uma menina que não sabe nem cuidar de si própria. Não vai
ensinar nada que se preste para essa criança.” E quem irá dizer? Ninguém saberá
por você. O que importa é o que eu vou te deixar, meu coração e ensinamentos. E
eu vou te ensinar tudo de bom. “Lá lá lá
rá rá hmm hmm...” Canto enfim, para ele voltar a dormir. Volto para cama, e
dou um beijo em Kadú que dorme como um anjo.
***

Voltei
para faculdade. Tenho muitas disciplinas atrasadas, principalmente o estágio. E
por sorte, consegui encaixar meus horários. E os horários de Juninho. Acredito
que agora posso tentar ir atrás dos meus objetivos. Até porque não existe isso
de filhos estragarem o futuro brilhante dos pais. Não existe. E eu serei prova
disso. “E quando você crescer, irá sentir
orgulho da mamãe”. E da nossa história.
Os dias se passam. E as dificuldades
só aumentam. E os sacrifícios aparecem de um jeito tão arrebatador, dando na
sua cara sonhadora que as coisas não são simples assim. E realmente não são. E
eu sofro com isso. Muita coisa pra estudar. Muitas fraudas para trocar. Muito mingau para
fazer. E ainda tenho que dar atenção a Kadú, que já vem se queixando de
solidão. Homem nunca assume seus reais sentimentos. Nunca assume que está
carente. Eles têm um jeito específico de demonstrar isso. “Um jeito macho de demonstrar”. Enquanto a mulher, coitada. Tem que
ser mil em uma para lidar com tudo e todos. E ainda somos o sexo frágil. Eles
que dizem.
Chegar em casa e vê toda uma
guerra para eu resolver, depois de muito trabalho criando um tema para uma
revista em que estou estagiando me deixa completamente explosiva. E a discussão
que tive com Kadú foi dolorosa. Coisas do passado vieram a tona. E coisas do
futuro também. Juninho não para de
chorar e ainda tem uma casa completamente suja de comida. “Que vida”.
De tudo que eu vi, de coisas que nem sei. Tudo
acaba num beijo, que eu senti tanto por não te dar. Não dei o braço a torcer, e
não fui “desta vez” pedir desculpas
por tudo, para aquele clima horroroso acabar. E aquela vontade de beijar sua
boca ficou no ar. E Kadú saiu de casa, dizendo que iria dormir na casa da mãe
dele. E ele sabe que preciso dele, muito mais agora, pois tenho um trabalho
importante a apresentar. E sem ele, não conseguirei me concentrar. “_Esse filho não é só meu seu merda”
Meus gritos não mudaram o que Kadú já tinha decidido me deixando sozinha com “nosso” filho aos berros.
Esse
dia começou aterrorizante. Muitos papéis em minhas mãos trêmulas, e Juninho
jogando a comida no chão. Meu cabelo que não teve a atenção que ele precisa
para ficar lindo, vai ficar apenas preso no alto. Estou tão aflita. Kadú não
deu notícias. Não sei com quem deixar Juninho. Hoje é a apresentação com os
chefes da revista e eu tenho que conseguir que eles gostem do meu tema sugerido
para a capa do mês. Vai dar certo. Tem que dar.
***
_Alô
Kira amiga?
_O
que ta rolando Clara?
_Você
precisa me salvar.
_O
que você está precisando?
_Fica
com o Juninho hoje pela manhã? Preciso apresentar um trabalho super importante
e ...
_Onde
está o Kadú?
_Brigamos
ontem...
_Amiga,
estou ajudando meu pai hoje aqui no bar, mas trás ele aqui, porque todo mundo
ama esse molequinho sapeca.
_Ai
Kira você sempre me ajudando. Pois estou passando ai.
***

18 de outubro de 2015
Kira é o tipo de amiga que se pode contar
sempre. E mesmo ela sendo a amiga gótica do tempo da escola que não mudou esse
estilo, ela é muito louca e aberta a tudo. E tem um humor negro super
aceitável. E sempre a amei e sempre odiei. Brigamos muito no início da nossa
amizade. Deixei Juninho com Kira e fui para revista. Apresentei meu tema. E
para surpresa de todos e até a minha, apostei no AMOR como tema da capa do mês
da revista. Todos pareciam aceitar muito bem a ideia, menos uma mulher. Garota
talvez. Mal amada no mínimo. Não sei. Ela odiou. E claro, me odiou também por está
propondo o amor como tema de uma revista de moda jovem. E por está jogando na
cara dela que não tem como viver sem o amor. E mesmo ela não aceitando a ideia,
no final das contas, maioria aceitou e eu consegui minha primeira vitória no caminho que seguirei.
***
16 de outubro de 2015
Em
casa, dançava com Juninho, juntos comemorávamos minha vitoria. Nossa vitória. E
olhar ele rindo da louca da mãe dele dançando, percebi que o amo muito e o
amarei para sempre. E nosso vinculo será eterno. Kadú entra em casa caladinho e
me pega dançando. Ele se manteve parado ali por um tempo. Especificamente até
eu notar ele. “Que susto menino”
quase gritei. Ele rio. E eu pirei naquele sorriso. Mas lembrei, estou com raiva
dele. Chateada. Ele não esteve aqui quando precisei. E lá vem ele, todo
manhoso. E arrependido. E eu, o que fiz? O abracei e o amei. Porque hoje estou
feliz e amando ele muito.
***
A vista de cima, os prédios e as pessoas lá
embaixo, como brinquedos ou formigas, Clara respira fundo e agradece pelas
dificuldades que anda tendo, pois está aprendendo a como lidar com todas elas,
e isso a faz mais forte. E ser forte é o foco, para seguir seu caminho. Caminho
esse que ela quase acreditou que teria acabado quando decidiu amar outras vidas
e outros sonhos.
FIM
Capitulo baseado nas músicas “Quando você crescer” e “Do
que não sei” do álbum “Sol-te” banda “Suricato”.