Bom
começo
No
começo...
O inverno chegou assim tão perfeito, e junto a
ele, veio você, linda, coberta por muitas roupas de lã e um longo cabelo. Seu
nariz vermelho e sua pele toda arrepiada era um toque tão charmoso, que talvez
só eu tenha percebido. Você estava perdida, queria uma informação. E ao te
olhar, única coisa que eu consegui pensar foi em o quanto eu queria beijar sua
boca. Nem tinha perguntado seu nome, quando a convidei para entrar e sair do
frio. Não perguntei se tinha alguém quando me aproximei, que senti
o cheiro da respiração dela. Nem perguntei se podia, quando beijei enfim, sua
boca.
Logo
após isso, vi meus sonhos virando do avesso. E em tudo que eu planejei me
pondo em primeira pessoa, inclui aquela imagem, aquela pessoa, transformando
meus sonhos, em nossos sonhos. Nossa vontade, nem sempre é correto, desejo que
sai de mim. Mas o que fazer quando conhecemos a pessoa que queremos ao nosso
lado para sempre?

Teu
sorriso sempre esquentava o frio que vinha da janela enquanto ficávamos
deitados na cama assistindo filmes na Netflix. E era exatamente isso que mais
amava no inverno, poder ficar ali, deitado com quem amamos, nos esquentando e
assistindo. No inverno, onde nosso amor estava no ápice, deixava o som ligado,
para deixar a música nos levando para nosso mundo em que não havia mais
ninguém. Apenas nós. E foi no inverno que me fez vê um futuro que nem sempre
era importante para mim. E foi nesse inverno tão perfeito para nós dois que decidimos
então casar. Porque esperar mais dois anos? Se já temos um ano e meio juntos e
temos certeza que esse amor é verdadeiro? Tudo ali era perfeito. Seu beijo. Seu
cheiro. Seu corpo. Seu calor. E já falei que seu sorriso me esquentava no
inverno?
Planejei tudo tão bem, ao ponto de perder a
graça. Acordei e olhei meu quarto. Meu quarto? Isso ainda é o meu quarto? Nem
reconheço mais ele. Não me reconheço mais na frente do espelho. Quem sou eu?
Ainda sou o mesmo Fábio? Ainda vejo
meus amigos? Ainda leio meus livros? Espera? Será que com o inverno perfeito,
meu eu de sempre foi embora? Vou me casar. Mas antes, preciso ter certeza que
isso não tenha realmente modificado todo um cosmo que sempre existiu, meu eu.
Uma
lista foi feita, assim de qualquer jeito. A ideia de ter mudado tanto, fez Fabio
se sentir muito mal. Fábio sempre foi consciente de tudo que já fez ou pensou
em fazer, e imaginar que ele tenha mudado assim, sem perceber, o deixa
descontente.
_Alô
Erico? Fábio olhava sua lista, pensando que isso seria impossível ter
acontecido.
_Fábio?
É você?
_Sim.
_Quanto
tempo cara. Eu pensei que tinha se mudado. Estava com saudade de você. As
palavras de Erico, seu amigo, fez Fábio riscar o primeiro item da lista. Como
ele sumira da vida dos amigos que estavam com ele há mais de dez anos? E
como isso não fez falta a ele? _Fábio? Está ai?
_Foi
mal Erico, estou aqui sim.
_Vamos
marcar de sair qualquer dia deste.
_Claro,
vamos marcar.

Fábio
deita na cama. Olhando seu reflexo no espelho que colocou acima de sua cama.
Estou mais gordo. Deixei minha barba crescer muito. Zoe adora ela assim. Talvez
eu também goste mais assim, mesmo nunca tendo deixado crescer tanto. Meu cabelo
também está muito grande. Sempre usei tão curto. Mas já não estava tão curtinho
naquele inverno em que conheci Zoe. O que mais eu deixei passar por causa de
Zoe? Fábio olha em sua lista o próximo item. Qual foi o último livro que li?
Foi há quanto tempo?
_Vish
nem lembro. Estava lendo aquele livro que ganhei de presente de amigo secreto
do Tommy, “Contos de imaginação e Mistério” de Edgar Allan Poe com magníficas
ilustrações de Harry Clarke.
_Falando
sozinho Fábio? Zoe entra no quarto caindo na cama cansada.
_Estava
aqui lembrando que só li até o conto “A Máscara da Morte Vermelha” daquele
livro do Edgar.
_Quem
é Edgar? Algum amigo que não conheço?
_Edgar
Allan Poe. Fabio levanta da cama. _Zoe acha que mudei muito depois que te
conheci?
_Não
sei, te conheci já assim. Talvez com menos cabelo na cabeça e no rosto.
_Eu
já era assim... Com você.
_E
essa lista? Zoe pega a lista de Fábio _O que é isso?
_Ah
nada, me devolva.
_Você
sente falta da sua vida antes de mim?
_Não...
Quer dizer...
_Você
está arrependido de me pedir em casamento?
_Não
sei. Acho que isso tem que ser feito depois de pensar bastante a respeito. Não
acha?
_Acho.
Então você deveria ter certeza do que você quer. Porque eu já não tenho certeza
se é isso que você quer.
_Você
tem certeza disso?
_Casar?
_Sim.
_Não
sei, só achava que se eu encontrasse a pessoa certa, teria então a certeza de
casar.
_Nunca
pensei em me casar. Zoe senta ao lado de Fábio _Na verdade, desde de criança
sonhava com muitas coisas, que aos poucos fui dando os primeiros passos para
conquistar esses objetivos. Mas já faz um tempo que parei no tempo. E se eu
olho para trás, só lembro de você. Não sei se isso é correto.
No
fim...
O
inverno chegou novamente. E é impossível não lembrar de Zoe. Mas está vivendo
sua vida de verdade, correndo atrás de seus objetivos, pra início, é o foco do
momento. Zoe está em algum lugar, vivendo a sua vida. Tenho certeza que ela
agora está correndo atrás de seus sonhos. Está vivendo de fato seu sonho. A
felicidade de ter um amor, um amor para você dizer que é seu, lhe dá uma certa
conformidade. E para quem sonha tanto, em conquistar o mundo, ficar acomodado,
sendo esquentado por aquele lindo sorriso, não é correto. Nem para você, e nem
para mim. Você pode ser deixado para lá, e seus sonhos podem ser engolidos por
outras situações e realizações. Mas naquele inverno perfeito, eu amei. Eu
sonhei coisas que nunca tinha me passado pela cabeça. Não quer dizer que aqueles
sonhos morreram. Não. Eles estão na ordem certa agora. E a ordem dele vem
depois do que já planejei desde criança. E quando chegar a hora Zoe voltará para minha vida. E juntos, poderemos construir esse sonho. E não vai haver
nada que possa me proibir de amar todos os dias.
Um
novo começo...
Hoje
sinto tanto frio, estou aqui em um lugar tão lindo, tão mágico, tão iluminado.
Estou realizado. Hoje sou exatamente o que eu queria ser quando tinha sete
anos, talvez. Um zigue-zague de sentimentos me preenche. Sedento de desejos
realizados de uma vaidade que inventei. É virada de ano, um ano que para mim
ainda é curioso, porque não sei por onde começar. Talvez eu comece por aqui. O
inverno chegou, novamente, e junto a ele, veio você. Está tão diferente. Parece
feliz. Vejo uma nova Zoe num grupo de amigos. Ela está lançando aquele sorriso
caloroso, balançando seus cabelos, hoje curtos, enquanto ria de alguma coisa,
quem sabe, das histórias que viveu quando não estávamos juntos. Já sei, o novo ano que começa, será ao seu lado! E desta vez, lhe prometo, irei te
amar todos os dias. E sei que me amará também a cada dia que vivermos. E seu
olhar espantado encontrando o meu no meio da multidão que festeja o novo ano é
o seu mais novo charme, que eu nunca mais esquecerei.
_Oi...
FIM.
Capítulo baseado nas músicas “Bom começo” e “Inseparáveis”
do álbum “Sol-te” banda “Suricato”. Esse é o primeiro conto de uma série de cinco contos, todos baseados no álbum Sol-te da banda nacional de rock Suricato.